maria
3 min readMar 7, 2022

Hoje decidi não te mandar mensagem. Os duradouros compromissos de domingo influenciaram na escolha, já que de qualquer forma o sinal seria parco e a cabeça, pensei, estaria ela também em outras conexões. Uma verdade, em partes: peregrinar ao outro lado da cidade com minha mãe para vivenciar uma experiência nova e fundante em meu campo espiritual tem sua importância óbvia; mas somos ciganos de nós mesmos, e assim carregamos maletas, panos, amuletos e demais cacarecos internos em quaisquer deslocamentos externos.

Minha revolução atual está em observar essa bagagem a fundo, organizar a parada. Nossa, quanta roupa que não serve mais, pares de meia que nem pares são, escritos que se apagaram no papel e eu cerro os olhos pra descobrir, papeis de carta que erroneamente deixei que rabiscassem sem pudor, memórias que há muito perderam o prazo de validade e ainda não reciclei. É, nesse momento é preciso organizar, passar aquele produto cheiroso de citronela e rearranjar a logística da mala.

Geralmente começo uma arrumação tirando tudo da gaveta, o que em um primeiro momento transforma o ambiente em uma bagunça ainda maior. Será que com os sentimentos é assim também? Bom, se tem alguém que sabe o tamanho que essa bagunça pode ter, esse alguém é você. Talvez mais que minha própria mãe, embora menos que eu. No final das contas, só eu seguro a maleta onde guardo meu cansaço, meu sonho mais bonito, um lápis um caderno, e assim vai, só eu sou capaz de carregar os pensamentos bons e ruins, e escolher quais deles vou priorizar.

Eis que junto com a viagem de hoje me vieram pensamentos de “como será que ela está”, “será que ela está me mandando mensagem”, ou, “será que eu deveria mandar uma mensagem”, que vão levando a “o que será que ela vai sentir com o meu sumiço”, “escolher ficar quieta neste momento vai deixar ela chateada?”, “estou eu fazendo ela infeliz?”, e se não controlar e só ladeira abaixo. Muito fuzuê, e eu resolvi que a forma de calar o pessoal daqui de dentro seria com algo novo: me conectar com você por meio do silêncio. Eles demoraram a aceitar e martelaram preocupações em vários momentos, se aproveitando da inocência do eu para espalhar veneno até no que nem tem a ver com a gente. Quando a única questão na verdade era “bom, hoje vamos viver algo que ainda não vivemos, vamos nos jogar?”

E pra mim, me jogar com você tem sido um mergulho profundo na sinceridade, ainda que ela me doa as vezes, ainda que não seja o que eu queria, ainda que me jogue em uma maré de gastrite. Mas o amor é coisa que mói mesmo né? E depois o mesmo que faz curar. Ao invés de me perguntar sozinha, te pergunto agora: “e aí, como é lidar com esse silêncio pra você?”, fazendo-o natural, sem fantasias, sem projeções, sem subentendidos. Uma dúvida que não deixa margem pra dúvida. Até porque, no final das contas, não tinha dúvida nenhuma: era só silêncio. Respeito ao momento presente de cada uma, viver no espaço físico em sua plenitude, aprender a descansar.

Com esse silêncio, hoje descobri que um mecanismo nocivo do meu comportamento é colocar as coisas como obrigações (olha só, que coincidência). Talvez porque a ideia de “tarefa” gere uma falsa ilusão de algo passível de se resolver, algo que está no nosso controle. E controle é medo, pois rejeita a dinâmica básica da vida. Pro controle, o incerto parece efêmero, as mudanças parecem impermanências; mas, no fundo, isso é bom ele saber, a gente vai se sentir menos inseguro quanto mais dançar com nossas vulnerabilidades.

Esse texto é uma das coisas que consegui decifrar naquele papel apagado que estava dentro da maleta e, veja só, foi nela que acabei achando esse silêncio escondido, precioso, embrulhado com carinho. Nesse momento estou o olhando de perto, sem mais vozes ansiosas, e poxa: gostei! Parece que também existem tesouros guardados na mala, não? Compartilho com você, sendo essa uma forma de você, se quiser, me ajudar a carregá-la. Em um domingo de sol ou um dia qualquer…